16 de setembro de 2006

 


Uma das lembranças mais constantes que tenho de mim mesma é a de me sentir sozinha, mesmo que sempre tenha sido extremamente popular e tenha vivido rodeada de pessoas.

Uma outra impressão que sempre acompanhou esta sensação de solidão e que, acredito, era a sua essência, é a de que constantemente atribuíam uma intenção errônea às minhas atitudes. Ainda o fazem. Exemplificarei.

Quando sofri abuso sexual descobri que homens e mulheres eram geneticamente diferentes, pois jamais vi meu irmão ou pai pelado. O pênis do moço me chamou a atenção sim, e eu achei o órgão interessante desde um primeiro momento e gostei de mexer nele a princípio.

E nem pense: “ah sua safadinha, então você gostou”. Eu era uma menina de cinco anos que foi submetida a uma situação que não deveria acontecer. O que tive, como qualquer criança, foi curiosidade e prazer pela descoberta do novo. E pude tê-la uma vez que meu agressor não me era alguém estranho, e nem me tratou com violência física, mesmo que usasse um tom de voz tão imperativo e ameaçador que me mantinha sob controle. Não me bolinou ou penetrou, e por isso não digo que fui violentada e sim abusada, mas me obrigou a manipulá-lo. O abuso se tornou uma agressão de fato quando eu quis parar de “brincar” daquilo e ele não deixou. Confirmou-se quando já em desespero mudo, achei que poderia escapar dizendo que queria ir ao banheiro - e me trancar lá até minha mãe chegar do trabalho – com o que ele consentiu e no momento de fechar a porta escutei: “deixe-a aberta. Quero ver seu corpo”. Internalizou-se no instante em que abaixando as calças para fazer um xixi inexistente, senti tanto ódio por estar submetida àquela condição que jurei a mim mesma que homem nenhum mais ia querer ver meu corpo. Ficou encravado na minha alma quando ele se justificou me dizendo: “a culpa é sua. Você é muito bonita. Se você contar para sua mãe ela vai deixar de te amar por que ela vai entender o que fiz por você ser tão bonita”. E se algum tempo depois apaguei da memória essa situação por anos não consegui apagá-la da minha alma e corpo. Engordei e até os cabelos, que eram lisos, ficaram pixains durante uns bons anos. É, não encaracolados, não; pixaim! Carapinha mesmo! Tem noção de algo que mexe com você tão profundamente que é como se mudasse seu código genético? Pois.

Mas o que me interessa aqui nesse momento é que o lado da curiosidade infantil me ajudou a sobreviver sexualmente saudável e em poucos dias, consegui fazer a transposição necessária para entender que meninos pequenos também tinham uma anatomia diferente da das meninas pequenas. Mediante essa “descoberta” que me pareceu genial, quis compartilhá-la na escola com minhas amigas mais chegadas e me decidi a, claro, comprová-la empiricamente. Para tanto convenci um amiguinho a passar em revista seu pintinho – de shorts do uniforme abaixado - para seis meninas sentadas no murinho de um canteiro no meio do pátio do colégio. Claro que fui pega! E, claro, fui castigada, minha mãe chamada e tudo mais o que tinha direito.

Mas o que me doeu foi que ouvi intenções que me foram atribuídas pelas freiras e que me soaram tão infundadas; dentre elas a de que abusei do coleguinha ao obrigá-lo a se submeter ao tal exame. Não, não era nada daquilo! Eu apenas tinha descoberto algo legal que quis compartilhar com os amigos! Não obriguei o menino a fazer nada sobre ameaça ou força, tanto que eu era uma das seis garotas sentadas na muretinha. Apenas pedi e ele topou. E acho que essa foi a vez mais marcante na qual me dei conta que uma atitude minha, que hoje sei controversa, veio à tona e me fez ser vista de um forma que me era completamente estranha. Infelizmente essa é uma constante na minha vida

E isso acaba fazendo com que eu me sinta muito só, uma vez que não consigo me sentir compreendida a maior parte do tempo. Às vezes gasto um tempo enorme em discussões onde o outro tenta me convencer que sou o que ele acredita que eu seja, e não o que eu sei que sou. Como se eu não devesse ser como sou; como se devesse me esforçar mais para corresponder a imagem que o outro faz de mim...

E o engraçado disso tudo é que quase ninguém atribui uma intenção boa a uma atitude que não entende, já reparam? Geralmente é sempre algo ruim que existe por detrás do que o outro fez ou falou, já perceberam? E não me incluo fora dessa não. Eu também, muitas vezes, interpreto pelo lado maldoso as atitudes alheias que me ferem... Fazem tanto algo com você que você acaba se contaminando com ela. Acho que a diferença que tenho é que se tenho intimidade e convívio, chego à pessoa e digo que não gostei do que aconteceu e pergunto por que ela o fez e costumo acreditar na resposta.

E é por isso que, algumas vezes, acabo que me ferro legal. E é por isso também que algumas pessoas não têm perdão: por que foram alertadas antes em conversas. Eu dei a outra face e a pessoa bateu de novo.

E me poupem do discurso religioso do perdão, pois no Evangelho Segundo o Espiritismo mesmo se diz que se você não consegue dar a outra face à quem te faz mal, que então saia de perto dessa pessoa. Não a pense, não a sinta, evite-a completamente dentro e fora de si mesmo, pois isso é melhor do que ficar numa situação que invariavelmente vai terminar em agressões.

É o que eu faço: mato a pessoa dentro de mim.

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