28 de novembro de 2010

Republicando:

Amor, o nosso Deus de pés de barro.


Num dos trabalhos que faço estamos aprofundando a discussão em torno do amor e isso começou pela desmistificação ideal romântico criado para manter e efetivar o poder, tanto nominal quanto econômico, e que acabou por substituir Deus na atualidade, se tornando, na nossa compreensão, a única e imprescindível forma de sermos felizes. Hoje pede-se ao amor o que antigamente se pedia a Deus. Espera-se que o amor nos faça sentir todo o prazer e satisfação que antes obtínhamos de várias fontes.

Isso se tornou algo tão sério e internalizado que hoje nos medimos - e somos medidos - no nosso valor pessoal pela nossa capacidade em conquistar e manter alguém. Você pode ser ótimo em todas as áreas da sua vida, mas se for solteiro provavelmente se sentirá uma grande porcaria, e o contrário também se aplica: uma pessoa pode ser a expressão absoluta da mediocridade em todos os aspectos da sua vida e, no entanto, se conseguir manter relacionamentos estáveis e duradouros é bem provável que tenha de si - e que tenham dela - uma avaliação muito positiva.

Só por ai podemos começar a pensar o preço que nos cobra esse ideal de amor inatingível que colocam e assumimos como meta das nossas vidas. Um amor que tem de ser heróico a ponto de justificar o abandono de nós mesmos em função de sermos completamente satisfeitos pelo outro e, já não bastasse isso, pela responsabilidade de satisfazê-lo com igual plenitude. Sim, porque nesse amor temos de ser o ar que ele respira tanto quanto ele tem de ser o nosso. E isso se aplica às variações que a principio usamos para justificarmo-nos aos nossos próprios olhos nos dizendo que permitimos que o outro tenha uma existência própria, sim. Permitimos, porém desde que essa existência seja entranhada pela nossa, quiçá subjugada. Ambos podemos trabalhar, mas o trabalho jamais pode ser mais importante do que as nossas existências e jamais suplantar as nossas necessidades; é lícito que se tenha diversão, no entanto, desde que, de longe ou de perto, sejamos, mutuamente, o passatempo preferido um do outro. E isso só para dar uma parca idéia do que falo.

Se você ainda não conseguiu perceber porque esse ideal de amor é inatingível eu simplifico e conto: porque esperamos que o outro faça por nós o que só nós podemos fazer e, principalmente, porque nos propomos a fazer pelo outro o impossível.

O que o amor nos assegura então, configurado desta forma é, 99% das vezes, frustração por não termos nossas necessidades atendidas e impotência ao percebemos que nem com nossos melhores esforços conseguimos atender as necessidades alheias.

E isso acontece não é por maldade alheia ou incompetência nossa, não. Acontece porque nossas necessidades se transformam e novas se criam constantemente, em acordo com a nossa psique que é mutante. Então, por melhor que seja a intenção que se tenha, a única coisa certa é que frustrações e impotência sempre farão parte de qualquer relação amorosa. Porém naquela que é baseada em falsas premissas, a quantidade acaba por ser massacrante e nos faz sentir uma infelicidade profunda.

O que concluímos após essa primeira rodada de discussões é que o amor – não romântico, mas de fato – só pode acontecer quando cada um se incumbe da responsabilidade de se fazer feliz e se propõe a compartilhar com o outro esse processo de conquista, até contando com a sua colaboração efetiva para que a felicidade ocorra sem, no entanto, depositar sobre seus ombros essa obrigação.

27 de novembro de 2010

Repostando:


Palavras


Meu universo é feito de palavras.

Gosto de receber palavras bonitas tanto quanto qualquer pessoa. Um “eu te amo”, um poema feito em minha intenção, ouvir que sou o porto seguro de alguém me tocam profundamente e me fazem sorrir, chorar, sonhar, amar...

Porém não gosto de palavras vazias. Palavras têm de vir recheadas de atitudes condizentes com os seus significados.

Tenho pelas palavras o mesmo respeito que tenho pelas pessoas e respeito as pessoas pelo uso que fazem da própria palavra.

Acredito na igualdade de direito às palavras. Se as uso para ofender, qualquer um também pode fazê-lo.

Palavras constroem e destroem; sobretudo relações.

Nunca me omito em relação às palavras que profiro e não entendo quem o faz. Por conta disso, também não entendo quem dá à própria palavra importância diferente a que dá à palavra alheia. Quem espera que tudo o que diz seja relevado, enquanto que o que o outro diz é sempre levado a ferro e fogo.

Palavras fazem nascer, acalentam ou matam um amor.

Palavras podem ser perdoadas, mas jamais são esquecidas. Ficam em nós como marcas que se faz no gado.

Palavras seduzem e enganam tanto quanto libertam e fazem amadurecer.

Palavras fazem falta em determinados momentos; em outros, sobram.

Palavras traem ao outro e a nós mesmos quando revelam o que se quer esconder.

Palavras explicam e confundem...

Palavras nutrem e matam de fome...

Palavras causam dor e arrependimento...

Palavras que são ditas não podem ser engolidas; há quem queira editá-las e, no entanto, geralmente, só o que se consegue é complicá-las.

Minhas palavras precisam vir à tona ou então animarão meus vulcões internos até que estes entrem em erupção espalhando lavras que, às vezes, escapando de mim, queimam o outro.

Eu só me entendo quando me visto de palavras.

26 de novembro de 2010

Muito se tem falado sobre preconceito ultimamente, principalmente após o ataque ao jovem na Avenida Paulista, por acharem que era gay. Vi muitos amigos genuína e apropriadamente revoltados, porém não vi ninguém se perguntar aonde nasce o preconceito e mais, como colaboramos intimamente para que ele perdure e se alastre pela humanidade, mesmo que evoluamos dia após dia.

Sim, pois se o preconceito existe e persiste é porque é algo que se faz presente em todos nós. Mas onde? Onde até os mais liberados o carregam em si ao longo de uma existência de batalhas pela igualdade, liberdade e fraternidade?

Nas certezas absolutas que trazemos na vida.

E todos nós as temos e as cultivamos como características que nos definem enquanto pessoa, nos diferenciando dos demais. E, contraditoriamente, gastamos muito, mas muito tempo das nossas vidas tentando fazer com que os outros sejam como nós.

A cada vez que olhamos o outro e fazemos uma comparação entre o modo como ele vive e o nosso e dai tiramos uma conclusão de valor, estamos sendo preconceituosos. Toda vez que queremos que o mundo se defina pelos nosso valores, pela nossa forma de entender e sentir as coisas, estamos sendo pré-conceituosos, pois estamos excluindo da vida a diversidade. E ela existe. E é quem lhe dá graça, tornando-a tão vasta e abundante.

Muita gente nesse exato momento irá se levantar e dizer que existem coisas que são certas e existem coisas que são erradas e que devemos nos esforçar para que o mal seja eliminado do planeta. Não discordo disso num contexto mais amplo - aquele no qual a noção de bem e mal são do senso comum - uma vez que também não gosto de pessoas sendo roubadas, sequestradas, estupradas, assassinadas ou que apanhem por conta de sentirem, vestirem, dizerem ou viverem coisas diferentes. Porém discordo - e veementemente - que exista apenas uma forma de se chegar ao bem. E é no que as pessoas acreditam né? Cada um de nós quer que apenas o nosso jeito seja o grande jeito de se estar na vida, de entendê-la; e que as nossas verdades sejam as grandes verdades de todos.

Vi isso com extrema clareza nas últimas eleições, onde aqueles que votaram na presidente eleita tinha um discurso onde o subtexto era implícito: aqueles que não votavam na Dilma eram pessoas que não queriam o bem de todos os brasileiros. Mais: eram pessoas de uma qualidade inferior, alienadas, incapazes de perceberem as coisas com clareza e não o que realmente são: apenas pessoas que discordam quanto à forma de se chegar ao bem comum. Poucas vezes na minha vida vi tanto preconceito exalado sob as mais diversas formas de ambos os lados, não esquecendo das manifestações descabidas e infelizes de alguns dos que votaram no Serra. E aqui faço uma ressalva que fará com que as tripas de muito se torçam, mas peço paciência, pois existe uma finalidade didática em relação ao texto: apesar serem declarações extremamente preconceituosas, eram manifestações mais abertas e passiveis de serem combatidas - como o foram, até com ações legais - do que as que muitos praticaram camufladas pelo discurso pseudo-humanitário.

É que é muito mais difícil reconhecer o preconceito em nós e ainda mais quando vem travestido de bons valores, sentimentos e intenções. Se nos achamos pessoas boas e do bem, achamos também natural que nossas opiniões, valores e sentimentos sejam aceitos e valorizados por todos e que isso só não ocorre por não o comunicamos, e então partimos para a defesa do que acreditamos na tentativa de catequização alheia. Nada mais chato e certo de dar em nada, pois todo conscientizador é, antes de tudo, um chato primordial. Mas isso não vem ao texto.

Voltando: existe uma outra situação complicadíssima de preconceito camuflado que é quando este ocorre em nome do amor. Fácil perceber que quem ama se acha empossada do direito de dizer que o outro está vivendo em desacordo com o que ele acredita ser o melhor, e de achar que, por conta do amor, o outro deve ceder. Nem vou descrever o que decorre disso, uma vez que não existe preconceito mais igualitário do que esse já atingindo a todos.

Entretanto vale lembrar que preconceito é pré-conceito - aquele que antecede o conhecimento de fato - uma vez que é sempre uma ideia sobre qualquer coisa. E só podemos ter ideias quanto àquilo que não vivemos ou sentimos na própria carne. As pessoas têm muita dificuldade de entender isso.

Sei o que é ser discriminada e sofrer preconceito por ser obesa, porém não sei se é o mesmo que um gay sente. Mas de tudo o que vivi, juro que me chocou infinitamente mais a ausência de reação dos amigos diante da agressão sofrida. Sim, pode ter sido por puro choque, mas não sei - e não quero saber também, viu Universo? - se vendo um amigo meu apanhar do nada, eu ficaria olhando. É, viver não é mesmo fácil. Julgar é uma ação quase que instantânea de tão habituados que estamos a isso e por isso livrar-se dessa mania é um trabalho sem tréguas.

É claro que existem alguns momentos de esclarecimento e posicionamento, onde me digo, e ao outro, aquilo que serve ou não para mim. No entanto, isso é MUITO diferente de achar que porque é bom para mim, serve para todo mundo. E assim mesmo temos sempre de atentar para se não estamos tomando como nossas coisas do senso comum ao invés de procurar por aquilo que nos nutre e satisfaz. A maior fonte de insatisfação pessoal está em tentar adaptar-se ao que é de todos, despersonalizado. Está ai a depressão, doença do sucumbimento do "eu", que não me deixa mentir.

É, eu sei, muitas vezes também me pego querendo seguir regras e normas que não me dizem respeito, julgando minhas coisas pelos parâmetros alheios e me esqueço do essencial que é ser feliz no percurso. No MEU percurso, adaptando a MINHA realidade às MINHAS necessidades.

É: "minha", "meu", "eu", "tudo eu". Egoísmo bom é isso. Quando você vive assim, se sente mais livre para deixar que cada um viva do seu próprio jeito. Mas não é fácil, principalmente nas relações, pois implica em aceitar o que o outro é sem querer mudá-lo; e somos experts em querer mudar o outro para que caibamos nele sem nenhum desconforto ou aresta. Nem vou mencionar que isso, se de fato ocorresse, seria o primeiro e derradeiro passo para a estagnação espiritual.

Quando você começa a trabalhar seus preconceitos percebe que deixa de reclamar porque fulano escreve sobre isso ou aquilo na timeline da sua vida; você simplesmente "pula" o que não te diz respeito. Também deixa de querer que as pessoas comemorem as mesmas coisas que você e chorem pelas mesmas dores. Você finalmente começa a entender que as possibilidades de se ser feliz são inúmeras e que podem assumir as mais variadas formações e combinações. Isso faz perceber que então, para você também existem mais saídas do que as apontadas e que a criatividade nas combinações pode ser o segredo. E que ser assim não agride ninguém: nem você, nem ao outro e muito menos ao meio ambiente.

O que sei é que se eu não combater em mim os pequenos preconceitos de cada dia, se não me policiar cada vez que olho pro outro e quero que ele seja do meu jeito e não do jeito que ele é, que acredite nas mesmas coisas que eu e sinta tudo exatamente da forma como sinto, estou contribuindo para esse mundo de intolerância que assume as mais diversas formas de agressão. Sutis ou não. E entender não significa aceitar, mas respeito é necessário sempre.

É preciso que eu tenha como mantra que a minha é apenas mais uma forma de ver, sentir e estar no mundo e que tudo bem, pois esta é a maneira mais rica de se viver, uma vez que não fecha as minhas possibilidades. Sempre há um novo caminho a percorrer quando o que escolhi não deu certo.

A única forma possível de se combater o grande preconceito que assola o nosso mundo é combater aquele pequeno que há em mim, uma vez que sou a única pessoa que tenho de fato o poder de transformar.

24 de novembro de 2010

Como posso sentir a perda do que nunca tive?

Mais: como posso sentir doer escolhas que fiz levando em conta o que eu não queria e descobrir, tarde demais, que queria? Se fosse com você eu queria. Eu não queria era com qualquer um...

Nunca pensei em filhos como desdobramento de um amor. Nunca havia parado para me perguntar que se o nosso amor se desdobrasse dessa forma, como seria a criança que nasceria combinando você e eu? Como seriam seus olhos? Sua boca? Teria os meus ou os seus dedos? E a personalidade puxaria mais a sua paciência infinita ou a minha curta e de mau gênio? E o jeito de rir, de olhar?

Qual seria a emoção de ter dentro de mim algo gerado por esse amor que em mim é tão importante? Um pedaço seu e meu, aqui, crescendo dentro de mim, como seria? E depois segurá-lo nos braços, amamentá-lo, vê-lo se desenvolver como a consequência natural da nossa vontade de ficarmos juntos para além de nós mesmos e das nossas vidas.

Como seria ver seus olhos no primeiro momento em que o segurasse? Seu sorriso e a emoção de ter um filho nosso nos braços? Como você me olharia depois disso? E se fosse menina? Você algum dia sonhou em ser pai duma menina?

E mais e maior: como será o amor de mãe? O amor nascido por gerar alguém dentro de si, como fruto de um amor que corre pelas veias e é tão eu...

Como será vê-lo, pela primeira vez, me olhar e me reconhecer? Como será alguém me amar como mãe? Ser alguém insubstituível? Ter esse amor incondicional? Como será a emoção, em mim, do primeiro passo, da primeira palavra, do primeiro tombo, da primeira bronca?

Tantas e tantas coisas que jamais saberei.

E não saberei por não dar mais tempo. Biologicamente esse trem já passou.

E também, por egoísmo, admito. Desculpe, mas não quero te dividir com mais alguém.

É, eu sei, eu mais uma vez protagonizando mais um clichezão da vida, mas entenda: passei tanto tempo esperando pela oportunidade de ter você um pouco para mim que não vou ocupar meu tempo com mais ninguém. E filho ocupa espaço interno e externo, precisa de dedicação e dedicação pede tempo. Filho não tem hora e nem lugar, é trabalho integral 24 horas por dia e trabalho por muitos e muitos anos. Tem todas as coisas boas, mas também tem todas aquelas que dão um trabalhão.

Mais a mais, você sempre terá os seus filhos e eles, por consequências naturais da vida, já tirarão você de mim.

E eles não vão gostar de mim, ao menos no começo... Talvez com o tempo passem a gostar de mim, mas sempre haverá momentos onde estarei excluída. Momentos seu e deles e de todos os sentimentos e significados de se ter um filho, de ser pai. Torço com todas as forças para que eles um dia gostem de mim como se gosta de uma amiga. E que confiem em mim como quem confia numa grande amiga. E assim quando houver os momentos de vocês, eu vou ficar esperando por você em casa, mas não me sentirei excluída. Serei parte de um amor que é fraterno.

Mas hoje, hoje foi a inveja da relação de vocês que me fez descobrir tudo o que contei acima. E eu nem sabia que era inveja. No começo achei que aquela dor que sinto cada vez que você me conta que vai fazer algo com eles, algo ao qual não pertenço, algo que você tem e sempre terá sem a minha participação, fosse ciúmes... Mas era diferente de todos os ciúmes que já senti nessa vida. E foi então que percebi que era inveja mesmo. Inveja por você ter algo que eu nunca terei e que nunca te darei também.

E eu não quero que você perca isso. Mesmo. Não quero que a nossa relação impeça você de viver a de vocês, e por isso tenho de aprender e viver com a dor e transformá-la. Preciso aceitar minhas escolhas e vivê-las como o que são: minhas escolhas. Mas ainda não sei fazer isso... Ainda só dói e ainda só choro e rezo e peço a Deus que me dê meios de superar e eu sei que vou, só não sei quando.

Por hora fico feliz em me manter fora do manicômio, porque né? Santa incoerência Batmam! Já foram tantas crises de choro que até me dei férias de sentir, mas quem diz? Quando vejo estou pensando de novo, imaginando coisas... E no entanto, sei que não vou mudar de ideia. Não vou deixar de tomar pílula e nem querer engravidar. Fica pra próxima quando nos encontraremos cedo e construiremos toda uma vida cheia de clichês de comercial de margarina e seremos de fato felizes com o pacote completo.

Nessa e por hora, por mais que doa, eu quero apenas você.

19 de novembro de 2010

Desejo


Adoro quando a
v
o
n
t
a
d
e
de ter você

E
s
c
o
r
r
e
g
a
do meu cérebro

Faz
c
u
r
v
a
no meu coração

E vai
p
a
r
a
r
no meu
s
e
x
o.
Procurando uma texto, me deparei com crônicas antigas e me deu vontade de postar algumas...

Uma mulher "quase" fatal

Eu, que um dia fui apelidada de “Dama do Lotação” por ter arrumado, seguidamente, dois namorados andando de ônibus pela cidade, agora descubro que até andando a pé sou “um perigo”!

Ontem, onze horas da manhã, calmamente me dirijo a uma agência oficial do Correio situada na Avenida Engenheiro Caetano Álvares, ali, quase esquina com a Avenida Imirim. Desci em frente ao supermercado "Compre Bem" na mesma avenida e me dispus a andar o quase quilômetro que faltava para fazer uma boa caminhada já que o sol não estava tão forte.

Logo nos primeiros passos escuto:

- Quando eu era mais moço era doido por mulheres assim como você: mais robustas.

Viro a cabeça e me deparo com um senhor de aparentemente setenta anos, um daqueles sertanejos do nordeste brasileiro, bigode espesso e cabelos ainda pretos, assim como os olhos, vestido com camisa e sapatos brancos, calça bege. Na cabeça um chapéu de boiadeiro e na mão esquerda uma maleta grande, ambos pretos. Sorrio e ele segue:

- Tanto que casei com uma, mas Deus a levou de mim há cinco meses e deixou no meu peito só essa dor que dói demais.

Diminui o passo porque percebi que ele sofria ao tentar me acompanhar e foi ai que sacou do bolso de trás da calça a carteira para me mostrar a mulher, olhos marejados de lágrimas. Paramos.

- Morreu tem cinco meses, repetiu. No peito ficou só essa dor. Mas se eu encontrar quem queira, em um mês estou casado. É só tempo de correr os proclamas.

Eu ri e voltei a andar; ele me seguiu. Do que pude ouvir do que disse, já que houveram momentos em que o barulho do tráfego abafava-lhe mais o som da voz naturalmente baixa, ele contou que trabalhava - e orgulhoso ergueu a maleta - vendendo algo que não entendi o que era e pelo qual só recebia em dinheiro e na hora. Possuía um apartamento muito bom no centro, “ali na Júlio Prestes”, onde não passava calor, pois um só ventilador ligado no máximo refrescava todo o quarto permitindo-o dormir sossegado. Tinha uma casa de veraneio em Cumbica, pertinho do aeroporto, aonde ia passar os finais de semana o que o obrigava a acordar às quatro da manhã na segunda para às cinco e quarenta estar tomando um trem que o trazia de volta a São Paulo no mais absoluto sossego. Ai de supetão perguntou:

- Você se casaria com alguém assim como eu?

Sorrindo respondi:

- Não.

- Você já é casada né?

- Sou.

- É, mulher como você não fica dando sopa não. Acha logo quem quer.

Tentando mudar o assunto perguntei:

- O senhor tem filhos?

E ele contou que tem seis. Que todos moram em casa dele. Todos casados. Que ele é um bom partido, que conhece mulheres que querem que ele se case com as filhas delas por ele ter sempre tratado bem a esposa. Dava-lhe um salário mínimo a cada mês para ela gastar com essas coisas que toda mulher gosta.

- Você nunca almoçou assim com um homem que acabou de conhecer né?

- Não!!!!

- É, seus pais eram seguros né? Traziam-na ali na rédea; mas com filha como você tem de ser assim mesmo.

- O senhor nasceu onde?

- Sou de Recife.

E contou mais um tanto da infância, porém o barulho da rua era tanto que só ouvi que ele punha a rede na varanda e que mocinho trabalhava das seis às seis apegado no cabo da enxada. Nessa hora passávamos por um boteco e um cara que estava parado à porta disse:

- Ai gaúcho, por isso vc não apareceu hoje né? Tá na fartura. Quisera eu poder também estar me fartando nessa bastura.

O senhor nem olhou para ele e muito menos eu. Papo dessa categoria de bêbado é sempre chato. Papo de bêbado bom só quando a gente tá bêbado junto, pois ai qualquer coisa faz sentido.

- Vou te falar uma coisa.

- Diga.

- Nunca na minha vida vi uma mulher tão bonita quanto você. Via na televisão - por que eu tenho duas com controle remoto, comprei lá na Casas Bahia que gosto é de conforto - Ai via as mulheres bonitas na TV e pensava que eram de mentira, mas agora, vendo você, eu vejo que existe mulher bonita assim mesmo.

E eu pensei: “e não é que o danadinho é bom ainda na cantada?” No entanto para ele eu apenas ri. Ele perguntou:

- Qual seu nome?

- Maria. Porque nem morta eu ia ficar explicando e repetindo meu nome nos próximos dez minutos, além do que é verdade, meu nome é Maria em português.

- E ainda tem o nome de minha santa mãezinha! E também da minha santa de devoção: Santa Maria. Eu a carrego sempre comigo.

Para minha sorte, pois vai saber o quê ainda viria depois, estávamos finalmente em frente ao Correio e eu tinha de atravessar a rua. Apertei-lhe a mão, disse que fora um prazer conhecê-lo e sem mais delongas parti.

É, tem dia que sou assim mesmo: irresistível!

Ufa!