27 de setembro de 2007

Crônica do retorno.

Tenho sentido falta de escrever com mais arte; às vezes isso me faz lamentar ter saído do Recanto das Letras, pois o público pretensamente mais afeito à literatura me obrigava a isso. Primeira conclusão a que chego com esse texto: o público determina o tratamento dado ao conteúdo. Segunda conclusão imediata e nada a ver com literatura: as confusões do Recanto desanimam qualquer ação nesse sentido.

Escrever com mais arte é contar as mesmas estórias de um jeito mais bonito. E isso exige de quem escreve olhar a vida sob um prisma mais belo. Ao escritor é preciso que retire beleza até do fato mais deplorável e essa é a terceira conclusão a que chego nesse texto.

Esse tema mesmo que escrevi abaixo, se fosse trabalhado com mais arte começaria contando que quando da eminente falência da empresa, meu carro foi vendido. E que no primeiro dia em que fui pro trabalho de ônibus, olhava as pessoas me perguntando se um dia eu me riria com(o) elas naquela aparente balbúrdia que se descortinava diante das minhas vistas. Questionava-me sobre como as pessoas poderiam se sentir bem e acharem normal andarem de ônibus, algo tão impossível no meu entender pequeno burguês. Consegui. Quem se utiliza de transporte público incorpora horários e esperas no trajeto. Leva a música no ouvido e a possibilidade de ler ou devanear no olhar. E de sonhar, não há lotação que impeça. Até meio espremida a mente consegue voar.

Pra quem escreve, então, é um prato cheio de tipos e estórias. Como a que ouvi ontem voltando para casa do trabalho sobre uma libanesa de trinta anos, e ainda virgem, que veio ao Brasil passar férias na casa do irmão. Conheceu cá um outro libanês e casou-se em apenas dois meses, vestida de prata e cravejada de brilhantes, levando nos acessórios da lua de mel, o tal paninho branco que deveria ser manchado e mostrado à mãe do noivo para atestar a sua pureza. Isso em pleno século 21! Ou daquela família que no metrô dava pinta daquele ser um passeio atípico dos seus Domingos. Pai, mãe, filho e namorada que, parecendo haver convencido-os a deixarem o carro em casa e irem de metrô para o centro da cidade, estava tão ansiosa que não percebia o desespero do moço para que esta se sentasse ao seu lado e ele lhe segurasse a mão, como se aquela fosse uma fantasia romântica também a ser realizada...

A quarta conclusão que este texto me traz é a do dito popular que diz que “ a oportunidade faz o ladrão”. As pessoas se habituam às suas condições de vida e procuram vivê-las da melhor forma possível, sem que isso seja comodismo. É apenas sobrevivência. Eu mesma, quando penso em passar horas parada no trânsito de São Paulo, sob um sol escaldante, me dou graças de poder ir de ônibus e metrô e chegar mais depressa ao meu destino. E a frota nem anda ruim não. Ao menos não por onde eu ando - e ando um bocado. Em algumas linhas já tem até um novo ônibus cujo espaço interno mais parece um parque de diversão, tantos são os níveis de acentos.

E agora me ocorreu que meu incômodo com o que li sobre o dia sem carro foi ver as pessoas terem dificuldade em admitir que não estão dispostas a abrir mão dos seus costumes e justificarem isso botando a culpa no outro; e nesse caso um outro facilmente culpável: o transporte público deficiente. A penúltima conclusão que tiro deste texto é que em meio à patrulha em se ser sempre politicamente correto e ecologicamente responsável, as pessoas começam a ter dificuldade de serem sinceras consigo mesmas quanto às suas reais motivações.

E é assim e então que chego à última e derradeira conclusão que posso ter com esse texto: para se escrever de forma mais artística basta querer.

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