19 de novembro de 2006

 



Eu sou um samurai!


Estão dentro do carro. Ela está de lado no banco do passageiro, uma perna dobrada sobre o corpo, ele está deitado com a cabeça encostada em seu no peito. Com a mão direita ela lhe massageia o nariz; compenetrada, está num estado flutuante de atenção que pretende captar as emanações afetivas que escapavam ao seu toque. No aparelho um CD de músicas celtas os embalava.

Pela janela aberta atrás de si entra um pequeno mosquito que vai de encontro ao vidro da frente do carro e, como é característico dos mosquitos, começa a tentar sair por ali. Ela, no estado de consciência dilatado em que estava, percebeu a sua entrada e com os dedos da mão que estava livre começou a tentar capturá-lo para o pôr para fora, uma vez que sabê-lo ali, naquela luta insana, acabou por lhe tirar a concentração. Tentou uma, tentou duas, tentou três vezes e nada, o danadinho lhe escapava sempre por entre os dedos.

Ele continuava recostado nela e absolutamente alheio ao que se passava logo ali atrás, pois graças a anos e anos de treino, ela seguia massageando-o como se nada de diferente estivesse acontecendo. Foi então que ela se lembrou dos filmes onde os samurais japoneses, como parte do treino de concentração e prontidão, tinham de capturar insetos voadores usando o hashi – pauzinhos japoneses - e sentiu que devia agir sob o mesmo princípio. Concentrou-se no mosquitinho e nas pontas dos seus dedos e quando proferiu em voz alta: “eu sou um samurai!” capturou de imediato, soltando-o do lado de fora do carro.

Voltou-se novamente para ele a tempo de o ver virar-se para olhá-la com olhos absolutamente espantados que denunciavam que ele provavelmente se perguntava: “mas que inventou essa maluca agora”? Ela caiu na risada e ele a acompanhou. Quando conseguiu fôlego para explicar-se ambos precisaram de tempo para conseguirem parar de rir e retomarem o que estavam fazendo.

Já com a mão no nariz dele e entrando no estado de atenção flutuante mais uma vez, ela bem disse em voz alta o fato de não fazer tipo ou pose, pois se esse fosse o caso, a máscara teria caído naquele dia. Sorte dela é que a única coisa que afirma sobre si mesma é: “eu não sou normal”. Ele concordou.

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