6 de dezembro de 2007

Lembrei de algo que aconteceu por esses dias e foi uma benção, pois me libertou de um sofrimento antigo. E por isso quero agora contar o que é, principalmente por que esse tipo de relato pode vir a ajudar alguém que passou pela mesma situação e sofre em segredo do mesmo modo que sofri por muitos anos: estava eu contando a alguém a história do abuso que sofri na infância quando ouvi do lado de lá: "Ah! Mas então era um garoto apaixonado..." Na hora consegui disfarçar o choque que foi ouvir aquilo. Choque porque absolutamente verdadeiro. Aquele guri me perseguiu anos, sem tentar nada sexual novamente, apenas me impedindo de brincar com outros meninos. E fez isso justamente por ser apaixonado por mim. Era um menino de 16 anos apaixonado por uma menina graúda de 6 anos. Um guri que perdeu o pé no dia em que teve uma oportunidade de ficar a sós com ela, apenas isso.

Sempre que pensava nesse assunto sentia um desconforto dentro de mim. Não era raiva, não era pena. Era como se algo simplesmente me tivesse sido roubado. E isso porque nunca consegui entender as motivações dele. Eu tinha, até mesmo pelo fato dele me vigiar constantemente, um enorme desconforto na presença dele, sempre. Lembro de, no dia que nos mudamos de lá, estar sentada na calçada e chorando por dois motivos: de tristeza por estar perdendo o que conhecia por lar e amigos desde que me entendia por gente, e de alegria porque finalmente ia ficar livre daquele olhar. A primeira coisa que fiz ao mudar-me foi esquecer tudo aquilo por mais de 10 anos.

Assim: a raiva e o desejo de que jamais me submetessem novamente àquela situação foram reais e continuaram a agir no meu corpo fazendo com que me escondesse de qualquer “olhar” de desejo. Mas a contrapartida era que, e até mesmo por não ter sido uma violência sexual e eu ter tido a curiosidade no começo e o prazer da descoberta, nunca tive dificuldade em atrair os homens com o meu jeito. Se com o corpo eu dizia: “não!”, com as atitudes sempre dizia: “venha”!

Lembrando agora, uma vez me confrontaram com o fato de que atuo para ser desejada sim. E isso é verdade mesmo. Porém a ressalva fica em que na minha fantasia sou eu quem escolho quem quero seduzir e não os homens que escolhem me seduzir. Percebem a sutileza do controle em ação?

E agora o que mudou é que não preciso dizer mais não, pois se não sei lidar muito bem com a imposição do desejo pela força - mesmo que subentendida - sei lidar com o amor. E assim o que me foi roubado, me foi restituído. E me libertou, pois aconteceu comigo na prática o que Freud chamou de resignificar o trauma.

Freud postula que nenhuma situação em si é traumática, só passando a sê-lo quando a pessoa recorda o acontecido - mesmo que segundos depois - e revivendo a situação a significa simbolicamente enquanto tal. E é justamente por isso que a terapia, a psicanálise é capaz de "curar", justamente por levar a pessoa a reviver o trauma e a resignificá-lo, só que agora de uma forma mais funcional.

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