7 de abril de 2007

Jeff


Acordei e pensava na vida, sem muita empolgação, quando ele me veio à mente.

Vi o sorriso largo que fazia par com olhos que também sorriam num rosto de menino, emoldurado por longos e encaracolados cabelos cor de chocolate ao leite, que do outro lado da mesa me olhava e tentava entabular uma conversa. Precisamos, literalmente, de tradutor e intérprete já que ele era um metaleiro de 16 anos e cheio de gírias e eu uma burguesinha de 20 anos que era proibida até de chamar os amigos por apelidos em casa e que curtia MPB. Universos mais distintos impossível. Porém nada foi capaz de impedir a atração que nos uniu desde o primeiro instante.

Mas contê-la eu consegui por um bom tempo. Afinal, ele era um guri e eu era uma mulher já feita, na minha cabeça de menina boba. Não havia uma única vez que chegando à casa da minha prima - onde nos conhecemos - que a campainha não tocasse logo depois e ele aparecesse como quem não quisesse nada dizendo meu nome daquele jeito que, até hoje, ninguém mais foi capaz de copiar. Com o tempo ele diminuiu as gírias e eu passei a dominá-las um pouco mais e então pudemos liberar o “pezão” da ingrata função de explicar-me o que ele dizia. Passávamos horas sentados na varanda, ou à mesa da cozinha, batendo papo.

Ficarmos a sós era perigoso, tanto que nenhum dos dois propunha nos encontrarmos fora dali. Ele tinha uma banda de hardycore, e o máximo que nos permitimos romper esse jamais pronunciado acordo mútuo de sempre estarmos num lugar que nos conteria por si só, foi o de eu ir ver um ou dois ensaios – sim, sofríveis! – ali na casa ao lado.

Mas teve um dia... Um dia no qual cheguei à casa da minha prima e o encontrei já na rua. Eu tinha ganhado um carro modelo esportivo que era o sonho de consumo de qualquer garoto e ele tinha acabado de tirar a carta. Nesse dia não resisti àqueles olhos que imploraram para que eu o deixasse dirigir. E como o carro era apenas um carro diante da possibilidade de fazê-lo feliz, saímos andando sem rumo pela cidade.

E comprovando que nosso “acordo” mudo tinha mesmo razão de ser, foi nesse mesmo dia, num dos faróis dessa metrópole arisca e mágica, que aconteceu nosso primeiro beijo quando virando-se para mim ele disse: “Como hoje é meu dia de sorte, vou arriscar conseguir outra coisa que sempre quis”... Nos beijamos tendo por música de fundo a sinfonia de buzinas que logo se iniciou, pois o farol abriu e fechou novamente antes que conseguíssemos nos desgrudar.

Não lembro se foi nesse mesmo dia, ou em outro, que acabamos na cama. Não, não sou mulher de enrolar depois que me libero, então pode muito bem ter sido nesse mesmo dia, mas não me recordo, embora me lembre da gente no motel quando eu, brincando com o slogan da Madonna: “se você quer me possuir vem cá e me toma, me enche de porrada me enche de hematoma”, fiz com que ele me desse um tapa na perna, que foi mais barulhento do que doloroso, porém que assustou tanto a ambos que nos fez brochar imediatamente, ao mesmo tempo em que caíamos cada um para um lado da cama rindo muito da nossa reação, pois esta deixou evidente que aquela não era a nossa praia.

Também lembro dele me pegando de quatro de um jeito que ninguém nunca tinha feito... Dele tremendo alucinadamente, como eu ainda não tinha visto nenhum cara fazer, sentado na borda da piscina enquanto eu, apoiada nela, brincava com a minha boca no seu membro... Recordo também o beijo de despedida na porta da casa da minha prima que foi onde o deixei à noite e de onde parti sem que ela soubesse que eu tinha estado ali...

Nunca namoramos embora tenhamos saído muitas vezes e por muitos anos. A gente se curtia, se divertia muito junto, mas nunca nos iludimos de que fosse amor, não era. Nem paixão chegou a ser. Era mesmo uma atração física irresistível permeada por uma amizade sincera. A gente se dava absurdamente bem, se divertia muito junto e sentíamos um tesão gostoso, então por que não aproveitar?

Não lembro também de quando paramos de nos ver ou de nos falar, mas provavelmente foi em decorrência do envolvimento afetivo com outras pessoas e depois, pela separação da minha prima que fez com que eu nunca mais voltasse àquele lugar.

Não sei dele, nem da vida que leva hoje em dia, mas gostaria.

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