2 de fevereiro de 2007

Vou publicar aqui uma entrevista que dei pra Revista Best que tem publicação em Alphaville - São Paulo. Nela falo sobre um tema que sempre quis abordar: relações humanas que se dão via Internet.



RB: Quais são os principais motivos, conscientes ou inconscientes, que levam às pessoas a optarem, na maior parte das vezes, pela comunicação on-line? Que tipo de benefícios e prejuízos esse tipo de comunicação pode trazer?

A comunicação on-line vem atender a duas necessidades prementes do mundo moderno: economia de tempo aliada à sensação de segurança. É inegável que a possibilidade de você falar com várias pessoas das suas relações ao mesmo tempo e ainda conseguir conhecer novas pessoas no ambiente seguro que sua casa ou trabalho representa foram fatores decisivos para que essa forma de comunicação se tornasse tão popular. É claro que isso pode representar tanto aspectos negativos quanto positivos, e isso vai depender principalmente da forma como essa comunicação é entendida pelo usuário: se como meio, instrumento, ou como finalidade. Se for vista como meio, instrumento, a pessoa vai comunicar-se com os outros através da internet para mediar encontros e conversas que se darão fora dela, e nada existe de errado nisso, muito pelo contrário. Se for como finalidade, o indivíduo vai usá-la para se proteger de encontros de fato, alimentando-se de relações que existem e são reais, porém são limitadas pelo espaço e condições virtuais. Isso pode vir a ser um grande problema, que não surgiu com a internet, mas foi evidenciado por ela.



RB: Pela experiência que você tem no assunto, como as pessoas, de uma forma geral, costumam se comportar no ambiente virtual? A timidez diminui? A
mentira e a omissão prevalece nesse ambiente? Existe alguma mudança nesse quadro geral de uns cinco anos para cá? Caso tenha ocorrida alguma mudança, qual é o principal motivo que justifica a mesma?

Tudo que é novo fascina e atemoriza; com a internet não foi diferente. No começo a possibilidade de comunicar-se sem ser visto por estar detrás de uma tela de computador deu, ao usuário, uma sensação de liberdade que muitas vezes descambou para a libertinagem, pois a chance de criar uma personagem que era, a maioria das vezes, muito próxima de quem sempre se quis ser, mas de quem não se chegou muito perto de concretizar - no dito mundo real. Esta era uma tentação muito forte e muitos enveredaram pelo caminho da mentira/omissão, alegando para si mesmos que faziam isso em nome da necessidade de segurança.

E isso em decorrência de um erro de percepção: as pessoas achavam que estavam se relacionando com a máquina. Foi com o tempo, e o uso, que começaram a se dar conta de que por detrás das letras que viam surgir no seu monitor havia uma outra pessoa tão de carne e osso quanto elas mesmas e, portanto, tão capazes de sentir quanto de despertarem sentimentos. Foi neste momento que as pessoas tiveram de lidar com a constatação de que as mentiras/omissões entravavam as relações, às vezes impedindo-as, principalmente quando o outro tinha sido honesto a cerca de si mesmo... Perceberam que estar seguro na internet não significa necessariamente mentir sobre si mesmo e mais, que existem formas e formas de mentir e omitir, sem que isso signifique enganar o outro.

Porém, criar uma persona - desde que esta não seja pautada em dados irreais - ou simplesmente poder se expressar sem ser visto, pode propiciar alguns ganhos para o desenvolvimento pessoal, desde que com o tempo as características que se desenvolveram nessa brincadeira de ser alguém um tanto diferente do que eu costumo ser no mundo venha a existir também fora da internet. Como a pessoa tímida que acabou se tornando mais assertiva, pois “protegida” pelo ambiente virtual conseguiu arriscar-se mais na exposição das suas opiniões e acabou trabalhando a própria timidez ao se ver livre de que o outro constate que ela ruboriza, por exemplo, o que para quem é tímido é algo mortificante e impeditivo de expressar-se em público. Provavelmente a pessoa também ruboriza na frente do micro, fica tensa no aguardo a como reagirão à sua fala, mas com o tempo ela começa a ruborizar menos ao mostrar seus pensamentos e quando se dá conta, já o está fazendo na frente das pessoas.

Hoje diria que são basicamente os novatos que ainda se utilizam do artifício de se esconderem atrás da tela do computador utilizando-se de nicknames e inventando personas, e isso se não tiverem alguém que os oriente em sentido contrário. Os usuários de chats e sites de relacionamentos também têm esse hábito, mas basta estarem em ambientes virtuais mais pessoais, como o MSN e e-mail, por exemplo, para que se identifiquem e dêem a conhecer sua verdadeira identidade. Ao contrário do que dizem por ai, as relações podem ser muito profundas no ambiente virtual se as pessoas estiverem dispostas a; e isso porque existem o tempo e a palavra como instrumentos para não apenas conhecer o outro, mas para dar-se a conhecer, tanto a si mesmo quanto ao outro.

E, no entanto é verdade que dentro da Internet existem pessoas mal intencionadas, da mesma forma que existem fora dela. E então existem algumas regras de segurança a serem seguidas e que, no fundo, são as mesmas regras que existem para o dito “mundo real”. Acontece todo um alarmismo quando ocorre um crime relacionado com a internet, pois as pessoas sempre têm necessidade de criarem bodes expiatórios, porém a realidade é que os crimes ocorrem, na maioria das vezes, com pessoas que não se conheceram ou se relacionaram através do ambiente virtual. O ser humano sempre estará envolvido em condições delicadas e hostis, seja qual for o seu ambiente, uma vez que carrega estas características dentro de si.

Atualmente a internet ainda é uma entidade mitificada, principalmente por aqueles que resistem às mudanças e querem pautar a sua resistência em opiniões que acabam criando tabus e mitos e estes nunca são benéficos a ninguém e cabe ressaltar que quem age dessa maneira o faz também com outros aspectos da vida e não apenas em relação à internet. Porém cada vez mais pessoas estão se conectando através de microcomputadores e entendendo que estes são apenas um meio mais rápido para unir pessoas em diversas partes do planeta. Que nada existe de virtual e ilusório nos sentimentos que a gente tem despertos por aqueles que nos mandam mensagens e compartilham conosco a nossa/sua existência, e que as relações ditas virtuais vão trazer implícitas e no seu desenrolar, as mesmas complicações que as relações ditas normais. Digo isso por perceber que persiste ainda em muitos usuários a fantasia de que, por ser virtual - o que muitos ainda entendem por ilusório e fantasioso - as relações que se dão via internet só podem ser passa-tempos prazerosos como um jogo de vídeo game. Vai ficar atrasado no trem da evolução humana quem se recusar a ampliar seus conceitos pessoais e afetivos nesse sentido. Relações são relações e trazem implícitas todo o prazer e dor que relacionar-se confere.




RB: No caso do Orkut, vemos em muitos perfis, recados, deletados, você acredita que as pessoas estão se preocupando mais com a privacidade na internet?A mentalidade dos usuários estão mudando em relação à isso? Por quê?

O Orkut despertou na maioria das pessoas o “voyerismo nosso de cada dia”. É como se fosse um Big Brother, mas com a vantagem de que posso espiar, sem ser visto, pessoas que realmente me interessam, que estão próximas a mim.

A grande força do Orkut reside em dois pilares: possibilita reencontrar e retomar relações com pessoas que fizeram parte de nossa vida num determinado momento - e que provavelmente jamais reencontraríamos se não fosse o site - e poder acompanhar a vida do outro, sem necessariamente me fazer anunciar ou me tornar presente nesta. Podia, pois a coisa ganhou tal proporção que hoje existe a possibilidade de você saber quem visitou o seu perfil, caso opte também por deixar saberem quem você andou visitando.

O que me chamou a atenção foi a “paranóia” que se seguiu quando essa ferramenta foi instalada no Orkut e que, de certa forma, persiste até hoje. E chamo de “paranóia” pelo fato das pessoas ficarem muito incomodadas e sentindo-se perseguidas por quem de desconhecido chega até as suas páginas, o que a meu ver denuncia, por parte dos usuários, propostas completamente opostas ao princípio do site. Diz que Orkut nasceu da teoria de que cada pessoa é ligada a qualquer outra pessoa no planeta por no mínimo uma entre outras seis pessoas com as quais se relacione. Ou seja, entre eu e seis amigos meus, e entre o George Clooney e seis amigos deles, no mínimo dois são em comum o que faz com que a possibilidade de nos conhecermos pessoalmente seja grande, mesmo que improvável, o que, diga-se de passagem é uma pena. O Orkut foi feito sobre essa premissa e queria comprovar essa teoria.

Hoje, principalmente pela adesão maciça dos brasileiros, este se configurou como um site de relacionamentos onde você reencontra pessoas e faz novos amigos. Não é então de causar espanto que as pessoas se mostrem tão irritadas por terem seus perfis visitados por estranhos? Você está num site público, faz parte de comunidades públicas que denotam características pessoais e preferências suas; disponibiliza fotos, recebe recados e depoimentos que também ficam disponibilizados para qualquer um que acessar a sua página, e está querendo privacidade? É no mínimo incoerente. Muitos vão dizer que estão lá para estarem com os amigos, porém isso é ilusório: com os amigos se está fora do Orkut e se seu objetivo é esse mesmo, monte um site/blog senhado e forneça a senha a apenas com quem você quer compartilhar a sua vida.

Porém entendo que isso nasce do conflito que vivemos quanto ao que é de domínio público e privado e que essa é a mesma confusão que fazemos com os artistas e suas vidas; confusão esta que acaba alimentando os paparazzi e promovendo a invasão da vida destes. O artista é uma pessoa pública, porém suas vidas são de domínio privado, ou seja, deveriam só interessar a eles mesmos. O problema é que o Orkut, tanto quanto as artes, acabam por serem usados como aval para promover uma intromissão na vida alheia e em decorrência disso, no Orkut, começou-se a optar por apagar os recados assim que são lidos. Algumas pessoas não conseguem entender que existe uma diferença enorme entre saber algo e emitir opinião sobre esse mesmo algo. Também desconhecem que podemos ser responsáveis e responsabilizados apenas pelas mensagens que escrevemos e jamais pelas que recebemos, pois cada um escreve o que quer e nem sempre a pessoa do lado de lá está dotada de boas intenções. Muita gente sai do Orkut e apaga os recados na tentativa de acabar com brigas, geralmente entre cônjuges, namorados, parceiros.




RB: Como psicóloga o que mais te preocupa no mundo virtual e o que mais te agrada? Por quê?

O que mais me agrada na Internet é a possibilidade de relacionar-se rompendo com barreiras temporais e de espaço. Uma pessoa aqui em São Paulo pode conversar ao mesmo tempo com uma amiga que está em Roraima, com um outro que está em Minas Gerais, com a vizinha de rua, com a sobrinha na Suíça e com o amigo nos Estados Unidos. Vocês trocam fotos, vocês se mostram na webcam, conversam com programas de Voip e isso diminui a distância e aumenta o contato. Conseqüentemente as relações humanas tornam-se mais próximas e calorosas.

A possibilidade também de conhecer e estabelecer vínculos com pessoas que de outra forma você dificilmente contataria, pelas dificuldades financeiras do mundo moderno que não nos permite viajar tanto quando seria bom, é outro aspecto que me agrada demais.

Acho que a preocupação sempre recai sobre aqueles que usam o ambiente virtual para fugirem da vida dita real e que então acabam viciando-se. Porém quero ressaltar que a pessoa que se vicia em internet tem a mesma estrutura de personalidade do que se vicia em bebida, em drogas, em jogo ou do que se torna um fanático religioso. A internet é apenas um elemento a mais; a pessoa desenvolveria o quadro independente desta, pois a disfunção é anterior.




RB: O que define uma pessoa viciada em internet? Existem muitos casos? Qual a forma de amenizar essa situação? A ajuda dos pais pode contribuir nisso? De que forma? Você percebe uma preocupação dos pais em relação à comunicação on-line e aos perigos da internet? Eles costumam fazer algo para evitar que os filhos se exponham à esses perigos?

É ainda um quadro novo e acho temeroso definir sintomas. Porém diríamos que temos alguém disfuncional em relação ao uso da internet quando a pessoa passa a deixar de fazer coisas prazerosas, de cumprir com seus compromissos e deveres no mundo dito real, para ficar na frente da tela do computador. Deixa de sair com os amigos porque os encontrará on-line, não vai mais a shows, cai o rendimento escolar ou começa a ter problemas profissionais por não conseguir realizar o seu trabalho e justo por viver checando mensagens, verificando o Orkut e conversando no MSN.

Sim, existem muitos casos, porém nem todos os diagnósticos são pertinentes na minha opinião, uma vez que a introdução nesse universo geralmente leva a um abuso que a grande maioria das vezes acaba passando um tempo depois. É como a criança que ganhando um brinquedo novo, fica absorta por este até que ele deixe de ser novidade e então volta a ter a atenção direcionada a outras coisas. Muitos podem estar pensando agora que na criança dura menos tempo essa absorção do que no usuário da internet, porém devemos atentar para o fato de que a Internet possui opções muito maiores para serem exploradas e por isso “passar a febre” leva um pouco mais de tempo.

Não existe uma prevalecencia da infância ou da adolescência no vício da Internet, sendo este um mal que acomete qualquer um e em qualquer idade. Porém os pais devem sim monitorar e limitar o uso da mesma, visando não apenas evitar que isso aconteça, mas também e, principalmente, proteger seus filhos dos pedófilos que rondam a rede em salas de bate-papo, blogs, flogs e afins.

Na minha maneira de ver e entender, a melhor conduta para com a criança e o adolescente é estabelecer horários de uso e colocar o microcomputador em lugar onde os pais possam ver o que acontece na tela do simplesmente passando por este, ou seja: computador na ausência de ambos os pais não pode ser acessado, pois se o pai ou a mãe ao passar pelo micro notar algo que chamou a atenção, pára e verifica. Os adolescentes principalmente vão protestar, porém se ele tem atividades que o mantém fora do micro e se é incentivado a estar com a sua turma no universo concreto, este pouco se ressentirá ou terá necessidade de fazê-lo via internet. O uso do computador para o adolescente é o mesmo que fazíamos do telefone na nossa adolescência, ou seja: não posso estar com minha turma de corpo presente? Então fico com eles na Internet e ainda tenho o ganho de poder fazer novos amigos.

Aqui é fácil deduzir que muitas vezes a paranóia dos pais com o que eles chamam de “perigos do mundo” acaba prendendo o filho dentro de casa e do ambiente virtual e colaborando, muito, quando já existe a predisposição, para que este se torne um problema.




RB: Outro fator muito relevante na comunicação virtual é a linguagem. Você acredita que a linguagem utilizada nesse tipo de comunicação pode interferir no aprendizado de uma criança ou adolescente? Caso interfira, o que pode ser feito?

Acredito sim que a forma de escrever utilizada pelas crianças e adolescentes na internet interfira e muito no aprendizado. É aquela coisa: você se habitua ao errado. E se tem uma coisa difícil de mudar são os “hábitos”. Para se ter idéia, por hábito conseguimos permanecer anos em relações que nos infelicitam, quem dirá escrevendo errado... Na sala de aula, na hora de fazer as provas, a dúvida se instala: qual a forma correta de se escrever? E isso se a dúvida se instalar, pois na verdade a “ficha” geralmente só cai quando eles recebem de volta a prova e vêm lá os pontos descontados em função dos erros de português. Ai vão correr atrás do prejuízo e a maioria das vezes se dão conta que o dano está feito, uma vez que não conseguem mais ter certeza “di comu eh qui si exkvi mexmu”...

Entendo que essa forma de falar possa denotar a existência de uma “tribo”, que seja o sinalizador de um contexto social, mesmo que virtual, e que faça com que eles se sintam inseridos num contexto e pertencentes a esse grupo social específico o que é sempre um aspecto positivo por ser algo característico da adolescência. Porém acho que eles devem desenvolver outra forma de reconhecerem-se na Internet, pois acredito que essa mudança na língua pátria acabe por interferir, e em curto prazo, na noção de identidade social enquanto povo, nação. E isso num país onde o povo já tem essa identidade tão fragmentada é tão temeroso...

Somos brasileiros e nos comunicamos tanto na forma verbal quanto na escrita através da língua portuguesa que possui um conjunto de regras e normas que a estabelecem. Isso faz com que, num país territorialmente grande como o nosso e salvo as diferenças idiomáticas de cada região, a comunicação se estabeleça e eu consiga compreender qualquer pessoa que se comunique comigo se utilizando desse conjunto de regras que ordena os fonemas. O que já acontece é que se na forma verbal nada se modificou profundamente, na forma escrita a coisa anda um tanto delicada, uma vez que é quase impossível entender o que um adolescente escreve se você não se dedicar a lê-lo com muita calma e paciência.

Até ai tudo bem se os adolescentes não começassem a ter a mesma dificuldade em entender o que os outros escrevem quando o fazem na forma correta. Ou seja: é a compreensão e a comunicação entre gerações que está sendo afetada, isso para ficar apenas num âmbito mais pessoal. Se quisermos ampliar essa questão, basta pensar em como esses adolescentes terão dificuldade para compreenderem o conteúdo dos livros que rechearão as suas vidas acadêmicas e, conseqüentemente, em como será a leva de profissionais que estaremos formando em poucos anos.

Na minha opinião, os pais devem conversar com os filhos e imporem regras para minimamente limitarem esse tipo de escrita ou até mesmo aboli-la, além, é claro, de incentivar, e muito, a leitura.

Não, não é fácil, mas também não é difícil, é apenas trabalhoso; mas temos de medir o que dará menos trabalho e será menos penoso afetivamente: se limitar agora, mesmo que for mediante a imposição de regras, a forma de se usar a língua e a internet, ou ter de lidar mais tarde com a sensação de inadequação e inferioridade que certamente resultarão dessa incapacidade de compreender e se fazer compreender a contento, tanto no ambiente real quanto no virtual?

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