19 de abril de 2009

Anorexia e Obesidade – Segunda Parte.

A meu ver, o que forma o tipo de crença primordial e disfuncional no portador de distúrbio alimentar, parece ser o fato de sempre haver perto deste alguém afetivamente significativo e que é ou excessivamente preocupado com a forma física, ou obsessivamente despreocupado da mesma. Às vezes ocorrem os dois. E sempre será aquele que promover o abandono que determinará se o distúrbio acarretará em obesidade ou anorexia. Diria que isso acontece por, na dinâmica dessa relação, ocorrer um excesso de mensagens de duplo vínculo - usando um termo que ouvi pela primeira vez estudando Pichon Rivière, e que significa a emissão de uma única mensagem, uma frase, por exemplo, mas que carrega dois significados opostos onde um infere amor e o outro rejeição. Ou seja, é um extrapolar na interação onde alguém insiste em dizer que devemos ser amados pelo que somos, ao mesmo tempo em que essa pessoa demonstra claramente não conseguir amar os outros pelo que eles são, sempre impondo condições físicas, afetivas e comportamentais e comprovando, assim, ser afetivamente tão disfuncional quanto o portador de distúrbio alimentar se torna.

É por esse motivo – e usando como premissa a teoria dos três Ds, também de Pichon Rivière, que diz que nas relações grupais, e a família é um grupo, sempre existe um depositante, um depositário e algo a ser depositado que apenas, caso o depositário não aceite mais essa função na dinâmica do grupo, mudará de lugar se não for elaborado por todos os membros do grupo - que o tratamento dessa disfunção pede pela intervenção familiar, na maioria das vezes. Traduzindo em miúdos: se não se fizer terapia familiar, um se cura e outro adoece em seu lugar, mas não necessariamente com a mesma patologia.

Mas por que um desenvolve anorexia e o outro obesidade?

O x é que o obeso desiste do controle depois que se dá conta que isso não é possível e vai em busca de formas alternativas de prazer e encontra a mais fácil na comida; já o anoréxico não, ele perversamente insiste e amplia o grau de controle que deseja ter: se não pode controlar o mundo, pode controlar a si mesmo. Grosso modo, poderíamos dizer que o obeso se vinga do amor; o anoréxico se vinga da necessidade de amor. O obeso procura o prazer que não encontra fora no comer, e tende a prolongar isso indefinidamente. O anoréxico encontra prazer em sobreviver se negando prazer, fingindo que não necessita dele.

E porque ele faz isso? Justamente porque vive na falta. Sei que é lugar comum na psicologia culpabilizar as figuras parentais por promoverem os nossos distúrbios – minimamente os seus primórdios – eu mesma pareci fazer isso lá em cima, e embora alguns realmente façam por merecer essa responsabilização em algum grau, fato é que ninguém teve os pais que quiseram 100% do tempo, e nem receberam deles toda a atenção que precisavam. Porque, então, nos portadores desse distúrbio essa falta parece ser sentida de forma mais exarcebada a ponto de causá-lo? Não sei, mas acho que é pelo mesmo motivo que o adicto é adicto. Nasce com essa conformação por motivos que transcendem o aqui e o agora.

Também é comum as pessoas se perguntarem, principalmente diante da anorexia: “onde estão os pais dessas pessoas que não percebem isso e não tomam uma providência”? E mesmo que os pais tenham o perfil que descrevi lá em cima, é comum e esperado que você os encontre atentos ao problema de peso dos filhos depois que este atinge de um determinado patamar, e é isso que me faz responder que emocionalmente estão exatamente no mesmo lugar que os pais do obeso, que também se tornam impotentes em lidar com o distúrbio do filho, mesmo quando esse é ainda leve. A comida mexe com aspectos muitos primitivos da nossa psique. Não é fácil tirar a comida de alguém e nem obrigar alguém a comer. Você pode amarrar o anoréxico e o obeso mórbido - e a fase de internação é literalmente assim - e controlar a alimentação e consequentemente, por um tempo, a disfunção, via coação, porém na primeira oportunidade ambos vão retomar os padrões anteriores se as causas emocionais não forem tratadas.

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