2 de outubro de 2006

 


"...com o passar dos anos se transformou numa afirmação de que realmente acredito que a responsabilidade pelo que me aconteceu estava na minha beleza e que tenho de evitar que isso volte a acontecer tornando-me não desejável e incapaz de reconhecer-me bonita."

Explica. E explica bem pra eu parar de tamborilar os dedos no teclado.


Como eu tenho MUITO temor desses dedinhos quando tamborilam, aqui vai a explicação (brincadeira, vai porque hoje aconteceu algo espetacular):

O que quis dizer nessa frase acima é que o movimento que me serviu de proteção num primeiro momento, acabou se transformando numa prisão na medida em que confirma a fala do abusador. Por quê? Porque se eu não acreditar que minha beleza me põe em risco, não existe do que me defender ou proteger; se me protejo e defendo é porque também acredito que ela me causa problemas e assim, mesmo que inconscientemente, valido a justificativa dele e retiro de mim o direito de ser mulher na minha amplitude. É como se me permitisse ser mulher, porém com moderação, nada muito exagerado que desperte a atenção e o desejo alheio sobre mim.

Só que o verbo aqui é: acreditava, não acredito mais.

No entanto, o que foi bárbaro hoje foi assistir o Gasparetto. Sim, eu não canso de recomendá-lo aos amigos, pois o cara é mesmo BOM! Eu nem estava vendo o programa, estava faxinando a casa quando ouvi minha mãe avisando que era pra eu parar e para ver o programa, pois ia me interessar. Ligo a TV e me deparo com duas obesas e o tema era: traumas da infância podem causar obesidade. Uma delas não tem quase nada a ver comigo, mas a outra...

Não vou contar o programa em por menores, me basta dizer que pela primeira vez na vida me senti muito aliviada porque senti minhas percepções completamente validadas quando o Gasparetto afirmou que esse tipo de obesidade que configuro - onde rosto, mãos e canelas finos em relação ao corpo - é característico de quem está se defendendo algum aspecto seu. O mais interessante é quando ele diz também que quem está se defendendo engorda até com o copo d’água que toma. Eu tive um namorado que dizia: “não olha! Você engorda de olhar, não de comer”. E não Gui, não estou dizendo que isso me exclui de fazer dieta, porém pondera que nada vai me emagrecer enquanto eu não me liberar da obrigação de me defender do que não precisa mais ser defendido e soltar a minha mulher.

Eu chorei muito vendo o programa, muito. Acho que poucas pessoas sabem o alívio de você ter alguém, mesmo que ele nem te conheça, validando a sua percepção e dizendo mesmo que indiretamente: “Não, você não é louca. Isso que você percebe que acontece consigo, acontece mesmo e mais: acontece com muitas pessoas que também passaram por isso que você passou, você não é a única”. E disse mais: “da mesma forma que você construiu isso, você pode desconstruir. Você, e só você, pode se libertar para ser a mulher que nasceu para ser”.

Disse muita coisa que me foi importante ouvir, como, por exemplo, que a obesidade nunca me protegeu de ser amada ou desejada sexualmente pelos homens, porém reduziu esse fenômeno para um volume que me permitia me sentir no controle e, consequentemente, segura.

Porém importante hoje também foi compartilhar esse momento com a minha mãe. Eu contei do abuso há anos atrás numa terapia de família para ela e meus irmãos e nunca mais tocamos no assunto. E eu nem culpo ninguém não sabe? Porque é mesmo muito frustrante você ter de lidar com o fato de que não conseguiu proteger uma criança de todos os perigos da vida. Muito frustrante mesmo. Mas às vezes me perguntava se eles de vez em quando pensavam nisso ou se era algo que o tempo havia engolido e só existia em mim. Hoje vi que minha mãe pensa, não é algo que foi empurrado para baixo do tapete; é algo com que todos têm de conviver e que todos têm de superar.

Já disse que chorei muito vendo o programa. Quando acabou a sensação que tinha era a de que finalmente soltei uma pedra imensa que carreguei por anos a fio. Senti tão forte isso que meus ombros passaram a doer na hora; aquela mesma dor que a gente sente quando larga algo muito pesado que trazia nas mãos? Pois Ai olhei pela janela o céu azul e agradeci a Deus com a mais absoluta sinceridade, pois Ele tem me enviado os elementos necessários para resolver essa questão desde o momento no qual me predispus a isso com a maior seriedade que tenho. Comecei uma oração chorando de felicidade e a acabei gargalhando entre lágrimas abundantes. Literalmente chorei às gargalhadas, tamanha alegria senti por estar finalmente livre!!!

Pensei também no meu abusador hoje. Coisa que raramente faço. Será que ele se lembra, será que reconhece que me fez mal, será que se arrepende? Não sei. De qualquer forma, do fundo do meu coração, eu o perdôo pelo que me fez. Perdôo. Perdôo e peço a Deus que se compadeça dele, pois deve ser horrível uma pessoa dominada pelo sexo, como ele provavelmente em, a ponto de perder a noção de respeito por si mesmo e pelo próximo. Deve ser horrível ser mandado por um instinto.

E não, não vou aparecer magríssima amanhã – e nem nunca que não é meu biótipo - vai levar um tempinho, vou me liberando aos poucos, mas eu vou aparecer do meu real tamanho e peso em breve. E dessa vez se algum engraçadinho resolver cruzar o meu caminho, chamo a polícia na hora!

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