24 de setembro de 2009

Minha mãe nunca disse "eu te amo" para ninguém. Nem para meu pai, nem para os filhos, sequer para a sua própria mãe. Para ela palavras "o vento leva" e o que comprova o amor são atitudes. E justifica: "seu pai vivia me dizendo "eu te amo" e, no entnato, nunca deixou de seguir atrás de um rabo-de-saia. Ao ouvir isso pensei: "foi atrás do 'eu te amo' que não ouvia em casa". A argumentação da minha mãe seria minimamente plausível, se ela fosse alguém afetivo, que transborda afeto em gestos, carinhos, mas não é. Dura com gestos, palavras e qualquer demonstração de afeto. Uma bruta mesmo. E digo isso com todo amor e respeito que lhe tenho.

Meu pai era um ser híbrido: tinha capacidade para o afeto e palavras afetivas - habilidade essa que falta à minha mãe - porém também sabia ser bruto como ninguém quando lhe interessava. Eu o vi ser afetivo com minha irmã, é por isso que sei que ele o era, não por vivência própria. Do meu pai conheci apenas a brutalidade. Para ele "eu tinha a péssima mania de me atirar nos braços das pessoas, querer beijos", desde muito nova. E se durante muitos anos me senti mal com isso, já fazem outros tantos que isso não me machuca mais. Porque um dia entendi que amor é assim mesmo: você sente, mas nunca da mesma forma, mesmo que a sociedade insista em dizer que pais devem amar seus filhos de forma igual.

Diante desse quadro restou saber o que fazer de mim, podada que fui ao longos da infância, o que me fez chegar à adolescência sem saber muito como demonstrar e dizer para as pessoas que eu gostava delas. Lembro que aos 14 anos conversei com uma amiga sobre isso, a Claudinha. Eu invejava sua espontaneidade afetiva e o resultado disso nas pessoas; pedi que me ensinasse, pois tinha certeza que não queria ser como minha mãe, nem tampouco como meu pai. O que ela me disse foi muito simples: "se você quer, faça acontecer. Beije e abrace, ande de mãos dadas mesmo com as amigas. Vai ser difícil no começo, mas um dia você vai estar fazendo isso com naturalidade". Me determinei e comecei, mas não foi fácil. Eu tinha toda uma inibição, além do olhar repreendedor dos meus pais que carregava na mente.

Aos 16 comecei terapia e um grupo de movimento que me ajudou por demais no contato físico com outras pessoas, que até por outras questões pessoais, principalmente com o masculino, era muito complicado. Foram 3 anos de treino, todas as sextas-feiras. Foi lá que o Gilberto identificou e me ajudou a desenvolver o abraço que todas as pessoas elogiam. Toda sexta-feira, terminado o grupo, a gente se despedia abraçando os demais participantes. Era um abraço real que tinha a intenção de agradecer por a pessoa ter estado no grupo e compartilhado de momentos tão íntimos e delicados, muitas vezes, nos ajudando a superar dificuldades. E o Gilberto ficava na expectativa do meu abraço e sentia tanto prazer nessa hora, que o mantinha por um bom tempo e no começo sempre dizia: "isso, se entrega! Deixa a energia vir para os braços, para o peito; isso! Agora o coração. É isso mulher! Teu abraço é especial, pois você abraça de coração aberto". Pode parecer estranho a muita gente, mas sim, eu aprendi a demonstrar afeto nos muitos anos de terapia e trabalhos corporais. Um trabalho muitas vezes árduo, pois você tem de superar toda a aversão que muitas vezes sente e a vontade de sair correndo, ou de que um buraco abra e você se enfie nele.

Sei que muitas pessoas que me vêm hoje em dia acham que minha afetividade é natural, mas não é: é fruto de muito treino e terapia; de muito choro e superação. Também entram nessa lista outras habilidades que desenvolvi e traumas que superei. Afinal não foi àtoa que fiz 15 anos de terapia. É, não foram 15 dias, nem 15 meses; FORAM 15 ANOS mesmo. Dos 16 aos 30 anos ralei muito emocionalmente para chegar onde cheguei, porque terapia não é fácil e nem indolor, embora seja bom.

O resultado prático disso tudo que escrevi acima é que, afetivamente, quero tudo. Quero palavras e gestos de amor. Não quero meio pacote; me contentar só com uma parte. Quero ouvir "eu te amo" e sentir que sou realmente amada. Quero gestos de amor, demonstrações de carinho, mimo e buquês de rosas vermelhas. Não preciso ser melada, é verdade, e nem faz meu tipo. Eu mesma não sou de melar ninguém, porém quem amo não fica sem gestos e palavras de carinho constantes. E isso porque aprendi ao longo dos anos, que não ter nunca nenhuma palavra doce, nenhum gesto carinhoso não me alimenta ou motiva a permanecer na relação. Críticas podem até ser boas, mas como tudo, em excesso, só destroem.

O mais importante é que viver meus pais foi bom. Talvez tenha vindo deles o maior aprendizado que poderei esperar nessa vida e que é justamente entender que as pessoas podem me amar sem nunca conseguirem demonstrar isso com gesto e palavras doces. E que se eu não tive alternativa com meus pais, nas minhas demais relações posso entender e aceitar que a pessoa seja assim, mas posso também escolher não conviver, pois é algo que no dia-a-dia me machuca muito.

Nenhum comentário: