3 de julho de 2007

O Projeto “Conversas e Memórias” – que é um grupo de conversação formado por mais de 45 idosos, acima de 60 anos - é uma das melhores coisas que acontece na minha vida, atualmente. E isso porque lá paramos para pensar na vida de uma forma que muitas vezes não fazemos aqui fora e chegamos a umas conclusões bem interessantes...

Hoje foi dia de projeto e o grupo quis conversar sobre o caso dos adolescentes que bateram na empregada doméstica no Rio de Janeiro. Não quis com eles (e não quero aqui) repetir o absurdo todo dessa situação e nem as causas macro-cósmicas – sociais – que acabam incidindo sobre o indivíduo e fazendo com que fatos dessa estirpe acabem acontecendo com mais freqüência do que seria aceitável, uma vez que acho meio que inevitável que coisas como essas aconteçam em agrupamentos humanos, devido à plasticidade da condição humana. O ser humano não é naturalmente bom. Ele é bom e é ruim, ali tudo junto, agrupadinho na mesma pessoa...

O que quis discutir com eles é o micro-cosmo – família – que acontece antes do social e que me parece ser a primeira grande causadora dessa inversão de valores que resulta nessa enorme bagunça que hoje observamos acontecendo mais amiúde na nossa sociedade.

Algumas questões interessantes foram levantadas e transponho-as aqui, não para encerrar o assunto, mas para que olhemos para o que acontece com outros olhos, pois o que aconteceu no Rio é, muitas vezes, reflexo do que está acontecendo nas nossas casas, porém não queremos ver.

A primeira grande conclusão que chegamos lá é que muito hoje é permitido em nome de que os pais se sintam amados pelos filhos. Muita bronca é evitada em nome dessa necessidade de sentir-se amado; desse amor que tem de acontecer a qualquer custo e ser completamente isento daquelas raivas tão saudáveis que a gente sempre tem de quem põe limites na nossa liberdade afim de que esta não se transforme em libertinagem.

Parece que não se diz “não” ao filho, por que não se agüenta sequer pensar que ele possa sentir raiva dos pais. E isso vem associado, ao meu ver, ao mito da felicidade que só é felicidade se isenta de problemas, conflitos e enfrentamentos. Hoje vivemos numa cultura que tem baixíssima tolerância a essas coisas e muito menos tolerância ainda à tristeza delas decorrente. Basta se manter em um estado mais melancólico e/ou depressivo por mais de 5 dias, mesmo que o mundo tenha desabado sobre a sua cabeça e você logo escuta de alguém: “vá ao psiquiatra e tome um remédio”.

Mas não é só essa a causa. Também parece que estas coisas vêm acontecendo por que a mulher saiu de casa para trabalhar e não tem mais tempo de olhar por esses filhos como antigamente. Verdade? Nem sempre. A mulher, mesmo quando ficava em casa, vivia tão absorvida por cuidar da casa - limpar, cozinhar, lavar, passar, compras - cuidar dos filhos: dar banho, trocar, dar comida, acompanhar tarefas escolares, levar a médicos – e cuidar do marido: receber seus amigos, acompanhá-lo em eventos sociais, manter uma “família de comercial de margarina” pra que ele pudesse se orgulhar - que poucas vezes também tinha tempo para dedicar-se verdadeiramente aos filhos. O diálogo era quase tão inexistente quanto é hoje.

Porém hoje, a maioria das mulheres que trabalha fora se culpa por não “estar junto” – como se isso resolvesse alguma coisa - e acaba querendo suprir a sua ausência com uma permissividade e um dar coisas – “veja, é por isso que mamãe precisa sair de casa todos os dias” - que provavelmente se voltará contra ela no futuro.

Por seu lado a maioria dos homens quer comodamente seguir na sua posição de provedor sem ter de envolver-se profundamente com o processo de educar os filhos.

Todo mundo quer e precisa de tempo para cuidar de si e das suas próprias necessidades e ambições. Filhos implicam em disponibilidade de tempo e investimento emocional, relações também. E ninguém anda muito afim disso, há tanto a se fazer e a se aprender ainda...

No fundo acho que se espera que também exista algum remedinho que vá transformar as más tendências das nossas crianças em virtudes. Que a educação que me nego a dar hoje seja corrigida magicamente amanhã. Mas como alguém precisa realizar a tarefa de olhar pela criança, se paga por isso. Babás são contratadas com esse objetivo; empregadas; escolas também.

Como bem concluiu o José Carlos Gulielmino hoje lá no grupo: “numa cultura onde tudo é terceirizado, terceirizou-se também a relação com os filhos”.

Só que esse fenômeno tem dois preços: um que você paga em dinheiro no ato em que transfere o cuidado a terceiros e um outro, afetivo, que você começa a pagar nesse momento, porém cuja noção da extensão da conta só terá mais tarde, quando descobrir que seu filho é um completo estranho para você.

Não, nem quando criamos um filho aquele em quem ele se torna é alguém que conheçamos profundamente. É incrível como as vivências são capazes de diferenciar as pessoas ao longo dos anos, e muitas vezes na convivência diária, nos damos conta de que aquela pessoa que cresceu sob nossas vistas se transformou em alguém absolutamente diversa do que imaginamos um dia.

Só aprende a ter consideração para com o outro quem um dia sentiu que houve consideração para consigo mesmo, e isso é o que as nossas crianças e os nossos adolescentes menos sentem, uma vez que são tratados como um fardo a ser transferido, um problema a ser solucionado, já que impedem o pleno desenvolvimento pessoal e profissional.

Com isso dá pra começar a perceber que o único caminho de transformação possível é aquele nos quais as pessoas começam a se comprometerem verdadeiramente nas relações, a se permitirem o trabalho que elas dão, pois se são trabalhosas são também prazerosas, principalmente quando são pautadas em amor e respeito verdadeiros.

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