27 de março de 2007

Mudar (1)


Comecei terapia aos 16 anos por não estar conseguindo lidar com a morte do meu pai e “parei” aos 31 anos. Ao todo foram 15 anos de análise e 3 terapeutas: uma mulher, um homem e outra mulher. Em média passei cinco anos com cada.

Minha primeira terapeuta, apesar de corporal, tinha uns traços ortodoxos e não abria a boca depois que fechava a porta da sala de atendimento e então, muitas e muitas sessões eu passei no mais absoluto silêncio, mesmo que por dentro fervilhasse de coisas por dizer. A sensação que tenho hoje olhando para esses cinco anos de psicoterapia com a Wilma, é de que metade deles passei num silêncio angustiante, aflitivo e improdutivo, por minha pura inabilidade em falar de mim se o outro não me introduzisse como assunto. Porém isso serviu para que eu jamais deixe de dizer um “e ai”? no inicio dos meus atendimentos. Junto aos atendimentos ela mantinha um Grupo de Movimento e este sim me fez muito bem. Foi lá que aprendi a trocar afeto; a abraçar de verdade e de forma integral alguém. Antes disso eu era aquele tipo de pessoa que retesa o corpo e fica duro feito tábua de tensão quando o outro se aproxima e o toca de forma carinhosa... Dá pra crer?

Meu segundo terapeuta conheci na faculdade. Foi meu professor e na divisão das turmas para as aulas nas “salas pequenas”, quando ele viu que cai na sua turma, ficou tão genuinamente contente que me decidi naquele momento por me tornar sua paciente. Nunca fiquei um atendimento sequer em silêncio e ele foi a primeira relação significativa com o masculino, verdadeiramente positiva que tive. A relação sempre foi tão boa e profunda que quando me formei ele me convidou a integrar o staf do seu consultório. O Cris me ensinou que sou uma mulher de peso para além daquele que a balança marca. Ensinou-me a ver em mim qualidades e apoiou sem reservas a minha inteligência. Também me fez a pergunta que levei cerca de 12 anos para entender e conseguir responder a mim mesma para então começar a mudar: “Por que você tem de afundar junto com as pessoas que ama"? Alguns processos são lentos.

Minha terceira terapeuta foi indicação de uma prima. Também nunca permaneci em silêncio com ela, pelo contrário: foi com ela que aprendi a não ter medo da minha ira e a expressá-la integralmente. Foi no processo com ela que tive, aos 29 anos, a primeira briga com a minha mãe; mas briga mesmo, daquelas de gritar e revidar ofensas, de vomitar todos os sapos que havia engolido por anos a fio. Quase morri no dia seguinte e no outro e no outro, mas o importante é que consegui romper com a minha passividade emocional. Com ela comecei a aprender que até meus defeitos tinham de ser aceitos e amados, já que a perfeição inexiste. Aprendi que defeitos fazem parte e dão cor à vida. Com a Kaká eu vim à tona em todas as minhas facetes. Ela também me fez uma pergunta que nunca consegui responder, mas neste caso acho que esta pergunta foi feita por ela não ter conseguido me alcançar numa determinada questão. Isso nunca a diminuiu aos meus olhos, tanto que quando alguém me pede indicação de um terapeuta fodástico é a ela que encaminho.

Depois destes 15 anos estava apta a cuidar de mim mesma e nunca mais pisei num consultório enquanto analisanda. Afinal o objetivo da terapia é um dia você ser capaz de ser seu próprio terapeuta.

Nenhum comentário: