19 de novembro de 2010

Procurando uma texto, me deparei com crônicas antigas e me deu vontade de postar algumas...

Uma mulher "quase" fatal

Eu, que um dia fui apelidada de “Dama do Lotação” por ter arrumado, seguidamente, dois namorados andando de ônibus pela cidade, agora descubro que até andando a pé sou “um perigo”!

Ontem, onze horas da manhã, calmamente me dirijo a uma agência oficial do Correio situada na Avenida Engenheiro Caetano Álvares, ali, quase esquina com a Avenida Imirim. Desci em frente ao supermercado "Compre Bem" na mesma avenida e me dispus a andar o quase quilômetro que faltava para fazer uma boa caminhada já que o sol não estava tão forte.

Logo nos primeiros passos escuto:

- Quando eu era mais moço era doido por mulheres assim como você: mais robustas.

Viro a cabeça e me deparo com um senhor de aparentemente setenta anos, um daqueles sertanejos do nordeste brasileiro, bigode espesso e cabelos ainda pretos, assim como os olhos, vestido com camisa e sapatos brancos, calça bege. Na cabeça um chapéu de boiadeiro e na mão esquerda uma maleta grande, ambos pretos. Sorrio e ele segue:

- Tanto que casei com uma, mas Deus a levou de mim há cinco meses e deixou no meu peito só essa dor que dói demais.

Diminui o passo porque percebi que ele sofria ao tentar me acompanhar e foi ai que sacou do bolso de trás da calça a carteira para me mostrar a mulher, olhos marejados de lágrimas. Paramos.

- Morreu tem cinco meses, repetiu. No peito ficou só essa dor. Mas se eu encontrar quem queira, em um mês estou casado. É só tempo de correr os proclamas.

Eu ri e voltei a andar; ele me seguiu. Do que pude ouvir do que disse, já que houveram momentos em que o barulho do tráfego abafava-lhe mais o som da voz naturalmente baixa, ele contou que trabalhava - e orgulhoso ergueu a maleta - vendendo algo que não entendi o que era e pelo qual só recebia em dinheiro e na hora. Possuía um apartamento muito bom no centro, “ali na Júlio Prestes”, onde não passava calor, pois um só ventilador ligado no máximo refrescava todo o quarto permitindo-o dormir sossegado. Tinha uma casa de veraneio em Cumbica, pertinho do aeroporto, aonde ia passar os finais de semana o que o obrigava a acordar às quatro da manhã na segunda para às cinco e quarenta estar tomando um trem que o trazia de volta a São Paulo no mais absoluto sossego. Ai de supetão perguntou:

- Você se casaria com alguém assim como eu?

Sorrindo respondi:

- Não.

- Você já é casada né?

- Sou.

- É, mulher como você não fica dando sopa não. Acha logo quem quer.

Tentando mudar o assunto perguntei:

- O senhor tem filhos?

E ele contou que tem seis. Que todos moram em casa dele. Todos casados. Que ele é um bom partido, que conhece mulheres que querem que ele se case com as filhas delas por ele ter sempre tratado bem a esposa. Dava-lhe um salário mínimo a cada mês para ela gastar com essas coisas que toda mulher gosta.

- Você nunca almoçou assim com um homem que acabou de conhecer né?

- Não!!!!

- É, seus pais eram seguros né? Traziam-na ali na rédea; mas com filha como você tem de ser assim mesmo.

- O senhor nasceu onde?

- Sou de Recife.

E contou mais um tanto da infância, porém o barulho da rua era tanto que só ouvi que ele punha a rede na varanda e que mocinho trabalhava das seis às seis apegado no cabo da enxada. Nessa hora passávamos por um boteco e um cara que estava parado à porta disse:

- Ai gaúcho, por isso vc não apareceu hoje né? Tá na fartura. Quisera eu poder também estar me fartando nessa bastura.

O senhor nem olhou para ele e muito menos eu. Papo dessa categoria de bêbado é sempre chato. Papo de bêbado bom só quando a gente tá bêbado junto, pois ai qualquer coisa faz sentido.

- Vou te falar uma coisa.

- Diga.

- Nunca na minha vida vi uma mulher tão bonita quanto você. Via na televisão - por que eu tenho duas com controle remoto, comprei lá na Casas Bahia que gosto é de conforto - Ai via as mulheres bonitas na TV e pensava que eram de mentira, mas agora, vendo você, eu vejo que existe mulher bonita assim mesmo.

E eu pensei: “e não é que o danadinho é bom ainda na cantada?” No entanto para ele eu apenas ri. Ele perguntou:

- Qual seu nome?

- Maria. Porque nem morta eu ia ficar explicando e repetindo meu nome nos próximos dez minutos, além do que é verdade, meu nome é Maria em português.

- E ainda tem o nome de minha santa mãezinha! E também da minha santa de devoção: Santa Maria. Eu a carrego sempre comigo.

Para minha sorte, pois vai saber o quê ainda viria depois, estávamos finalmente em frente ao Correio e eu tinha de atravessar a rua. Apertei-lhe a mão, disse que fora um prazer conhecê-lo e sem mais delongas parti.

É, tem dia que sou assim mesmo: irresistível!

Ufa!