14 de junho de 2007

Amigos terapêuticos e como fazer bom uso deles

Dizia o professor Alberto na faculdade que a psicologia é a ciência do óbvio. Óbvio é o que “está na cara”; e a nossa cara é justamente a única parte nossa que, em hipótese alguma, conseguimos ver sem a ajuda de um espelho. No caso da psicoterapia o espelho é o psicoterapeuta. Porém na vida, um amigo pode ser um excelente espelho para as nossas ocultas obviedades.

Involuntariamente não somos o que queremos ser, somos o que podemos ser. Somos frutos das nossas tendências, da nossa educação e da nossa história de vida. Dizia este mesmo professor que o Ego Ideal – o eu que somos – perde sempre e feio para o Ideal de Ego – o eu que gostaríamos de ser, mas não somos. Geralmente para ser o que queremos é preciso ver o que somos naturalmente, aceitar que somos, para só então, mediante trabalho e elaboração, nos transformarmos no que queremos ser ou algo bem próximo disso.

Muitas vezes fugimos de nos ver porque as pequenas espiadelas que damos na nossa verdade nos mostram que somos coisas que achamos - ou nos ensinaram - que socialmente não é bonito, ou aceito, ser. Tentamos fingir que não somos o que somos e passamos a representar papéis. O irônico é que, quanto mais queremos nos esconder, mais nos revelamos aos olhos dos outros.

Muitas das vezes, as pessoas têm receio de dizer o que vêm de errado em nós por medo de ferir a nossa suscetibilidade e confesso que, geralmente, os amigos fazem justo isso, sendo esse o ponto que a terapia tem de vantagem sobre a amizade: o terapeuta nos comunica essas coisas que nos doem na alma - porque doem mesmo e muito - com calma e isento de julgamentos. Ele não se sente traído ou enganado; ele não pensa que o paciente está de sacanagem com ele, embora a maioria das vezes veja claramente que este possa estar de sacanagem consigo mesmo...

O terapeuta entende que a pessoa está sendo o que pode naquele momento. Entende também que seja lá o que for que aquela dinâmica (o grande jeito da pessoa de estar no mundo) denuncie, ela é sempre uma construção de longa data, pois começou no primeiro dia de vida dessa pessoa. O terapeuta possui um profundo respeito por aquele “fenômeno” que mesclado a uma curiosidade pueril, resulta na necessidade genuína de entender o que acontece com a pessoa à sua frente. O que sempre nos perguntamos é: porque dentre todas as infinitas possibilidades que a pessoa tinha, ela escolheu justo aquela? E é a busca por essa resposta que nos fará ver coisas que aos olhos dos leigos passam despercebidas. É como um quebra-cabeça que vamos montando com cuidado para fazer uma imagem de 360º e que nos dê noção de como as predisposições somadas ao aprendizado e às experiências de vida, resultaram naquilo que temos à nossa frente. E uso a imagem do quebra-cabeça justo porque se para entender o todo você precisa achar as partes que o compõe, para desmontá-lo você precisa desmontar as partes chaves.

Aos amigos pode sobrar amor, mas geralmente falta essa consciência de que as pessoas não são disfuncionais por opção, aliada à percepção que mudar nem sempre é um processo fácil, pois 99% das vezes a mudança está atrelada a se libertar de crenças errôneas sobre si.

E eu expliquei tudo isso para dizer que por vezes e mesmo assim, um amigo pode ser muito terapêutico. Ele pode, mesmo que de um jeito duro, nos mostrar as obviedades que tanto nos fazem mal e das quais tanto fugimos. Só que como ele fere suscetibilidades ao fazê-lo, a gente geralmente sente que ele está nos atacando e reagimos e ele com raiva, ou com decepção. O atacamos dizendo que ele não está sendo verdadeiramente amigo e nem demonstrando carinho e cuidado para conosco, quando na verdade é a pessoa que demonstra mais coragem em fazê-lo. Não, ele não vai ser capaz de abranger todas as suas nuances, mas ele pode ser o pontapé inicial pra um processo que sempre, mesmo que em terapia, depende muito mais de nós mesmos do que do outro.

Eu tenho um amigo assim e levei MUITO, mas MUITO tempo pra entender que as coisas que ele me diz não são pro meu mal, muito pelo contrário. Ele quer o meu bem de um tanto que corre o risco de ser absolutamente sincero comigo, mesmo sabendo que eu possa vir a me magoar, brigar e, no meu caso em específico, ficar sem falar com ele por muito e muito tempo. Ele é dolorido, mas tem de mim a fotografia mais verdadeira, a mais fiel.

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