17 de dezembro de 2006

 


Pequena crônica natalina


Uma das lembranças mais queridas que guardo do meu pai tem como cenário uma cozinha de móveis, geladeira e fogão vermelhos, iluminada pela luz suave da manhã de domingos ensolarados, mesmo que não o fossem. Era somente nesse dia que meus pais estavam o dia todo em casa e então, enquanto minha mãe fazia o almoço - que consistia de frango ao molho de açafrão, macarrão na manteiga e salada de alface e tomate - que embora sejam pratos simples têm sabor inigualável e apreciação unânime até hoje por conta do tempero diferenciado e que todos adoram; meu pai estava à mesa cigarro numa mão, café com leite sem açúcar na outra, ladeado pelos três filhos e cumprindo um ritual que se tornou sagrado por muito tempo: contar-nos a mesma história domingo após domingo. Hoje nem sei como tinha tanta paciência...

Era uma história que não sei por que guardei na memória um conto de natal, embora não o seja. Talvez por trazer implícita uma moral que é o grande legado que meu pai deixou aos seus filhos e que, vez por outra, eu gosto de dividir com as demais pessoas. E como o Natal é a época de ofertar presentes àqueles que queremos bem, compartilho com você, meu leitor e amigo, essa que agora transformo num pequena crônica natalinaa.

E, no entanto, para fazê-lo bem, cumpre-me situá-los para que melhor compreendam e visualizem o que vou relatar. Para isso é preciso que saibam que meu pai era suíço e nascido em 1912. Naquela época na Suíça havia muitas fazendas e as cidades, apesar de diminutas, eram para onde todos migravam aos domingos para assistir a celebração da missa, aproveitando então para saberem das novidades políticas e sociais que aconteciam durante a semana. E era também em volta da igreja que as pessoas eram enterradas. Como meu pai afirmava que essa história fora por ele vivida, presumo que o que relato a seguir se deu por volta de 1919, 1920, quando este tinha entre sete e oito anos; idade com a qual já conseguia apreender os acontecimentos com maior significado.

Contava meu pai que todos os domingos um homem taciturno que vivia sozinho numa fazenda, pois nunca se casara e era filho único de pais já falecidos, se arrumava e coloca-se, a cavalo, a caminho da cidade para assistir a missa. Fato é que, invariavelmente, quando este chegava à metade do caminho o sino da igreja tocava anunciando a eucaristia – e quem é católico sabe que após esse momento não se entra mais na igreja – o que fazia com que ele descesse do cavalo, ajoelhasse no meio da estrada e fizesse ali mesmo as suas orações, após as quais montava novamente o animal e retornava à sua fazenda. Ninguém entendia porque ele não saia mais cedo já que demonstrava interesse em assistir a celebração, mas fato é que domingo, após domingo, ano após ano esse episódio se repetia como num ritual pessoal.

Até que num dia de inverno o homem veio a falecer e como era de hábito naquela época, após ter sido velado em casa, uma carruagem funerária foi fazer o seu translado da fazenda até o cemitério onde seria enterrado. Fazia muito frio e nevava no momento em que o cortejo fúnebre - formado pela carroça que carregava o caixão e as dos demais moradores que a acompanhavam - seguia pela mesma estrada que ele percorria todos os domingos para ir à missa. Quando o carro funerário atingiu exatamente aquele ponto do caminho no qual ele sempre acabava rezando, os cavalos empacaram. Não se moviam nem pra frente e nem para trás e nada houve no mundo que fosse capaz de fazê-los passar daquele ponto carregando o caixão. Nem aquela e nem outras parelhas que foram trazidas no intuito de tentar fazê-lo chegar ao cemitério para ser sepultado. Levar o caixão carregando-o nem era uma possibilidade, pois além de nevar muito, a distância era grande demais para ser percorrida a pé levando tanto peso. Depois de muito tentarem decidiu-se que o certo era enterrá-lo ali mesmo e assim foi feito. O lugar permaneceu, por muito e muito tempo, sinalizado por uma cruz.

Depois de contar-nos essa história meu pai dizia, olhando-nos com aqueles olhos de um verde suave, mas repletos de intensidade, que os cavalos não seguiram dali justamente porque o homem também nunca se preocupara em fazê-lo. E acrescentava que a vida é exatamente assim: vai conosco até onde vamos com ela.

Este é o meu singelo presente de Natal para vocês somado ao desejo de que 2007 seja um ano próspero em todos os sentidos positivos.

Beijos!

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